A rainha do fado e o Japão
Amália Rodrigues cantou no mundo inteiro e foi amada pelo público japonês
*RICARDO TAIRA
Fazia 43 anos que não voltava a Portugal. Conheci esse belo país quando era um jornalista que acabara de fazer estágio em uma emissora de televisão e partia para o meu primeiro projeto internacional. Desta vez, viajei com a família a passeio. Minha filha Catarina cuidou de boa parte da programação de visitas e, por ser cantora lírica, tudo o que se refere à música está em seus planos. Conhecemos uma casa de fado bem em frente ao local onde nasceu Santo Antônio e, no dia seguinte, fomos ao Museu Amália Rodrigues. Uma das vozes marcantes do século XX, Amália nasceu em uma família humilde de Lisboa em 1920, foi bordadeira; e no final da adolescência mostrou o talento que a consagraria.
O museu está aberto na casa onde Amália Rodrigues morou durante quase cinco décadas até a sua morte em 1999, aos 79 anos de idade. O imóvel fica na Rua São Bento, na Freguesia de Campo de Ourique, na capital portuguesa. Bem perto dali também há o museu dedicado a outro expoente da cultura portuguesa, o escritor e poeta Fernando Pessoa.
O museu-casa da rainha do fado tem três andares e um sótão. É simples e decorado com bom gosto. Logo na entrada, somos avisados de que não seria permitido tirar fotos dos aposentos, mas, por sorte, em alguns momentos, tivemos autorização para fazer registros pelo celular. Na explicação da coordenadora do local, a cantora portuguesa se apresentou em mais de cento e trinta países, tendo em nove ocasiões, feito extensas turnês no Japão, chegando a gravar shows ao vivo. A informação me surpreendeu. Sem dúvida, houve uma identificação do público japonês com o fado, um estilo musical com interpretação própria, na maioria das vezes dramática e teatral. Exige um timbre de voz poderoso tanto para os homens quanto para as mulheres, e carisma, muito carisma.
O primeiro contato de Amália com o Japão foi em 1970 e o último, em 1989. Tivemos a oportunidade de ver os anúncios chamando para as suas apresentações, a repercussão na imprensa e uma comenda que ela recebeu em solo nipônico. Sua força inspiradora levou muitos jovens a se arriscarem no fado, classificado pela Unesco como Bem Imaterial da Humanidade. Atualmente, temos nomes como Kumiko Tsumori e Taku, cantando no idioma de Camões ao som de uma guitarra portuguesa.
Voltando ao museu-casa Amália Rodrigues, vimos a ampla sala onde ela costumava se reunir com cantores e compositores, entre eles Vinícius de Moraes, os vestidos usados nos palcos do mundo afora, os pares de sapatos, as joias, e os quadros com pinturas de seu rosto assinados por artistas famosos e por cidadãos comuns. E, sem dúvida, ficamos encantados ao descobrir que no quintal ao rés do chão, o indicativo de andar térreo, está em seu poleiro o “Chico”, um papagaio cinza, animal de estimação da cantora. A nossa guia explicou que Chico gosta de tomar sol. É quando assovia, faz muito barulho, e ainda chama por Amália. Tivemos o prazer de ouvi-lo assoviar algo que parecia ser a estrofe de uma música. Podemos afirmar que Amália e o Japão formaram uma parceria que ainda dá frutos. O fado e os fadistas agradecem.
Lisboa, janeiro de 2023
RICARDO TAIRA
É jornalista, passou pelas principais redações de emissoras de TV do país, tendo também atuado na TVE da Espanha na década de 1980. Exerceu a função de coordenador geral de Jornalismo da TV Cultura da Fundação Padre Anchieta-SP. Atualmente, participa da equipe do SBT Brasil. É autor dos livros Rosa da Liberdade e A História de Rolando Boldrin (Editora Contexto), A Assinatura do Preso ( Editora Daikoku) e Jornalismo ainda é cultura ( Editora Limiar).