Cônsul do Brasil em Hamamatsu fala sobre empreendedorismo, idioma japonês e visto

Há pouco mais de dois anos no Japão, o embaixador Aldemo Serafim Garcia Júnior conta que está adorando a vida naquele país. Para ele, que assumiu o cargo de cônsul geral do Brasil em Hamamatsu no final do ano de 2020, “o tempo está passando muito rápido”. “Espero ficar pelo menos mais uns três anos”, conta Aldemo que em 2022 coordenou vários eventos em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil com a comunidade brasileira residente em sua jurisdição. Dois, em especial, mereceram destaque: o Brazilian Day em Hamamatsu – evento com cerca de 16 horas de música brasileira e que teve como atração principal o artista Toni Garrido – e as Olimpíadas Brasileiras, com a participação de aproximadamente 700 crianças de 20 escolas brasileiras.
Nascido em Natal (RN), em 24 de abril de 1959 – é filho de Aldemo Serafim Garcia e Joana D’Arc de Andrade Garcia – Aldemo Serafim Garcia Júnior ingressou no Curso de Preparação à Carreira Diplomática do Ministério das Relações Exteriores em 1982 e exerceu assessoria do Itamaraty de relações com o Congresso e de Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério das Relações Exteriores.
Antes de assumir o Consulado do Brasil em Hamamatsu, Aldemo Garcia serviu como embaixador no Timor-Leste. Mesmo de férias no Brasil, ele participou de várias atividades ligadas à comunidade japonesa, entre elas o Shinnenkai (Comemoração de Ano Novo) no Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – e de um almoço na Residência do Embaixador do Japão, em Brasília.
Apesar de sua agenda atribulada, Aldemo Garcia atendeu a reportagem do Nippon Já para falar sobre projetos para 2023 e também um balanço das atividades realizadas até aqui. Confira os principais trechos:
Nippon Já.: O senhor já está adaptado à vida no Japão?
Aldemo Garcia: Estou adorando o Japão. Estou lá há dois anos e o tempo para mim está passando mui rápido. Espero ficar pelo menos mais três anos e estou até pensando em, quando me aposentar, ir morar em Tóquio porque Tóquio é uma cidade fascinante. Toda oportunidade que tenho pego o shinkansen e vou para Tóquio, que fica cerca de 1h20 de Hamamatsu. Estou encantando com a vida no Japão e com a comida japonesa, que é fantástica. Posso dizer que me sinto realizado no Japão.
N.J.: Quais as principais demandas da comunidade brasileira residente em Hamamatsu e região (o Consulado em Hamamatsu cobre a província de Shizuoka, onde residem cerca de 30 mil brasileiros, e Hamamatsu, com cerca de 10 mil brasileiros e é considerada a cidade mais brasileira do Japão, “mais até que Oizumi”)?
A.G.: Quando cheguei no Japão, no final de 2020, encontrei uma comunidade brasileira muito trabalhadora, muito ordeira e que não tem nos causado nenhum problema. Tem as demandas normais, de serviços consulares, passaporte, certidões e etc. Felizmente tenho uma equipe muito boa de funcionários e case que resolvem tudo, ou seja, não me trazem problemas. Tanto que nos últimos dois anos não tive nenhum problema de ordem consular, o que faz a gente querer, digamos, o algo mais. Esse algo mais é ir além das funções consulares porque o Consulado é uma espécie de cartório. Como tenho uma equipe muito boa, me permiti trabalhar um pouco a área cultural, de promoção do Brasil, de melhorar a imagem do Brasil na nossa província porque muitas vezes o que acaba saindo nas matérias são apenas os roubos ou quando acontecem alguns problemas envolvendo brasileiros. Felizmente, nos últimos tempos, só tem saído matérias positiva em relação ao Brasil.
N.J.: Como o senhor tem conseguido isso?
A.G.: Claro que isso não é de graça, a gente tem tido uma relação muito boa com a mídia local, procuro convidar os diretores dos jornais e tvs para os eventos do Consulado e eles sempre estão sempre presentes. Ou seja, felizmente nós temos conseguido colocar matérias positivas na mídia japonesa, o que não é fácil. E, no ano passado, aproveitando que era ano das comemorações do Bicentenário da Independência, fizemos, ao longo do ano, uma série de eventos culturais e gostaria de destacar dois.
Um foi o Brazilian Day Hamamatsu, que foi um sucesso, com cerca de 25 mil pessoas em dois dias [3 e 4 de setembro]. Nós tivemos cerca de 40 atrações e 16 horas de música brasileira – oito horas no sábado e oito horas no domingo – e terminamos a programação com um show magnífico do Toni Garrido, que foi a nosso convite e está muito interessado em voltar este ano lá novamente. Foi o maior evento ao ar livre ligado ao Brasil que Hamamatsu já viu. Na cerimônia de abertura contamos com a presença de prefeitos de quatro cidades japonesas, além de praça de alimentação e food trucks. Foi bom porque a comunidade brasileira estava precisando. Desde o início da pandemia que não tinha nada. Recebemos muitos agradecimentos por termos realizado um evento desta magnitude.
O segundo evento que fizemos foi a Olimpíada Escolar Brasileira no Japão. Realizada em julho no Estádio Shizuoka Ecopa, conseguimos reunir cerca de 700 crianças e jovens brasileiros. Imagina a alegria das crianças de 12 a 14 anos correndo num estádio, onde o Brasil ganhou da Inglaterra na Copa do Mundo de 2002, com as famílias assistindo nas arquibancadas. Tivemos várias modalidades como atletismo, futebol, vôlei, xadrez e tênis de mesa. Aliás, levamos o Hugo Hoyama [ex-mesa-tenista e atualmente técnico da seleção brasileira feminina de tênis de mesa] para coordenar o tênis de mesa.
Para a entrega dos troféus chamamos o [Ruy] Ramos, que se naturalizou japonês e defendeu a seleção japonesa. Quando ele chegou todos queriam tirar fotos com ele. Também entregaram os troféus o próprio Hugo Hoyama e o Roberto Satoshi, campeão do MMA no Rizin [evento criado em 2015 e hoje uma das principais competições no Japão. Quem participou ficou muito entusiasmado querendo saber se terá este ano também.
N.J.: E teremos as segundas edições tanto do Brazilian Day em Hamamatsu quanto a Olimpíada Escolar Brasileira?
A.G.: A Olimpíada vai ter porque muitas empresas já me procuraram falando: ‘Embaixador, eu quero ajudar na organização da Olimpíada’. Estamos vendo a questão de data porque no Japão as coisas são reservadas com muita antecedência. Já enviei uma carta ao governador da província e nós, eu e o Eber Toyohashi (presidente do Conselho de Cidadãos de Hamamatsu), que tem me ajudado muito em todos os projetos – visitamos os organizadores do Estádio de Fukuroi e acredito que nos próximos dias estaremos anunciando a nova data.
Quanto ao Brazilizan Day, ainda tenho que me reunir com o produtor cultural Mário Makuda, porque infelizmente ele teve um prejuízo muito grande, de cerca de 10 mil dólares. Queremos ter certeza que teremos patrocínio. Durante um evento realizado no final do ano passado pelo Brazilian Business Group (BBG) eu até fiz um desabafo. Diante de tantos empresários, falei que até esperava uma participação maior das empresas. Imaginava um apoio maior das empresas para um evento em comemoração ao Bicentenário da Independência porque Bicentenário a gente não comemora todos os dias. Esperava um apoio maior, tanto de empresas brasileiras como japonesas. Se a gente conseguir a gente fará o Brazilian Day 2023 porque a comunidade toda quer. Já temos dois dias reservados para setembro, mas na minha volta a gente vai se reunir com a Comissão Organizadora para saber se a gente toca esse projeto ou não.

N.J.: Por falar em projeto, o senhor também tem um batizado de Casa Brasil. Como está esse projeto?
A.G.: Recentemente, recebemos no Japão a visita de uma delegação do Bunkyo chefiada pelo presidente Renato Ishikawa. Na ocasião, perguntei quantos Bunkyos havia no Brasil e ele me disse que mais de 400. Perguntei, então, porque apesar de mais de 30 anos de imigração a gente não tem ainda um centro cultural no Japão. Coloquei isso como uma meta, é um projeto ambicioso – talvez o mais projeto ambicioso que nós temos – não sei se vamos conseguir em 2023, mas a ideia é iniciar ainda este ano.
Já conversei com o atual prefeito e o próximo candidato a prefeito de Hamamatsu para que a Prefeitura ceda um espaço porque me parece que a Prefeitura tem espaços ociosos no centro da cidade. Não é uma coisa grandiosa. É um espaço pequeno que possa comportar duas salas de aula – um para reforço de japonês, que as crianças brasileiras precisam porque eles tem pouco convívio com japoneses e as escolas brasileiras também têm pouca carga horária de ensino do idioma japonês noa grade curricular – e teríamos outra sala para o português, como uma língua de herança, além de uma biblioteca bilingue – português e japonês – além de um espaço multiuso onde poderíamos fazer exposições de artes plásticas e mesmo projeções de filmes. Com relação a exposições, se a gente realmente conseguir levar à frente esse centro cultural, poderíamos fazer parcerias com o Bunkyo, por exemplo. Hoje em dia é muito fácil. Por streaming você manda fotos para imprimir lá.
Agora, é aquela história, eu só faria isso se conseguisse um apoio da Prefeitura de Hamamatsu e hoje (sexta-feira, dia 13) por acaso, eu me reuni com uma produtora cultural brasileira e conversamos sobre a possibilidade de lançarmos esse projeto via lei Rouanet. Então minha ideia é conseguir o apoio financeiro de quatro empresas, duas brasileiras e duas japonesas através da lei Rouanet. A invés das empresas doarem elas abatem no imposto de renda. Assim a gente poderia conseguir ter um espaço cultural, pequeno, mas que poderia crescer ao longo do anos até se tornar uma referência. Inclusive estamos pensando em colocar o nome de Centro Cultural Brasil-Japão porque envolveríamos também a comunidade japonesa, não seria só uma coisa de Brasil.
N.J.: O aprendizado do idioma japonês ainda é o principal entrave para a adaptação dos brasileiros?
A.G.: O que eu noto é que as últimas levas de imigrantes não voltam mais para o Brasil. Eles estabeleceram lá definitivamente. A gente nota que os brasileiros estão comprando apartamentos e casas. Por quê? Qualidade de vida. Mesmo trabalhando em fábrica, você consegue ter uma qualidade de vida superior à que você poderia ter no Brasil… Comprar um carro, uma televisão de led, fazer compras no Costco… Eu soube recentemente que no Costco tem 30 brasileiros trabalhando. Você vai lá no sábado e todo mundo está falando português… Então queira ou não é uma qualidade de vida boa. Ou seja, apenas uma porcentagem pequena volta ao Brasil.
Claro que é preciso ver a questão do ensino japonês nas escolas brasileiras. Atualmente nas escolas brasileiras são apenas duas horas de ensino do idioma japonês. Essas crianças terminam a escola brasileira e não conseguem ingressar em uma universidade nem em escolas técnicas. Elas vão terminar nas fábricas, como os pais. Então, volto a repetir que essa questão do idioma é fundamental, inclusive para melhor se integrar à sociedade japonesa.

N.J.: O senhor tem se reunido com representantes dessas escolas para tratar esse assunto?
A.G.: Faço reuniões periódicas, a cada quatro meses com a as diretoras das escolas. Falo da minha preocupação de que a gente precisa aumentar – o ideal seria 50% do currículo em japonês e 50% do currículo em português. Se justificava o ensino só em português se as famílias voltassem porque ai a criança faria o Enem, mas hoje em dia eles não voltam mais.
Outra coisa que gostaria de ressaltar é que no Consulado nós temos um trabalho importante, o Espaço do Empreendedor Brasileiro, chefiado pela Vanessa Handa, muito competente e que elaborou um guia de como empreender no Japão. Trata-se do Guia do Empreendedor Brasileiro no Japão que está disponível on-line no site do Consulado e que dá o passo a passo, o bê-á-bá para montar o seu pequeno ou médio negócio no Japão. E nós sabemos que é o sonho de muita gente. Trabalham em fábricas, mas querem empreender.
Costumo citar o caso de uma brasileira que tinha umas receitas de panetone e ela vendia para fora. Ela e a irmã saíram da fábrica para fazer panetones e macarrões. A mãe e o marido também saíram da fábrica e ela montou a Chocoretto Doceria, uma confeitaria cuja clientela é formada por brasileiros e japoneses. Tem também o caso de uma brasileira que tem um pet shop e faz muito sucesso porque ela tem uma van e vai até a residência para dar banho e tosar o animal de estimação. Tem histórias de pizzaria; de salão de beleza… Os brasileiros estão empreendendo cada vez mais, e isso é importante e melhora economia da cidade. Nós firmamos uma parceria com o Sebrae e a gente está disponibilizando cursos nas nossas plataformas.
N.J.: E em relação às questões dos vistos para turismo e yonsei, o que o senhor poderia falar pra gente?
A.G.: Uma questão fundamental é que nós estamos negociando com os japoneses é a isenção do visto de turismo para brasileiros. Da mesma forma que o japonês não precisa de visto para entrar no Brasil, a gente quer que o brasileiro também não precise de visto para entrar no Japão. Porque o argentino não precisa de visto, o uruguaio não precisa, o chileno não precisa e o brasileiro precisa? Já que se fala tanto nas boas relações Brasil-Japão, nos dois milhões de pessoas aqui, nos laços de amizade… Às vezes soa como discursos da boca para fora. Eu quero ver na realidade. Chegou a hora que tem que isentar. Da mesma forma está a questão dos vistos para yonseis. Quero deixar claro que o nosso Consulado não participa destas negociações diretamente e que esses temas são tratados pela competente equipe da Embaixada do Brasil capitaneada pelo colega Octávio Henrique Dias Garcia Côrtes.
O que nós fazemos é aproveitar para falar em todas as oportunidades que temos. Espero, sinceramente, que o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, visite o Brasil em 2023 porque quem sabe, numa visita de alto nível sempre se anuncia algo importante, como a assinatura de algum acordo… Então a gente espera que numa ocasião como essa seja anunciada da parte japonesa a questão do visto para yonsei ou mesmo a isenção do visto de turismo para brasileiros.
Outra coisa importante é que a gente precisa abrir o mercado japonês para a carne brasileira porque não faz sentido. Temos carnes de excelente qualidade e exportamos para o mundo inteiro. Espero que seja uma questão de tempo e que este ano a gente consiga, não só a carne suína, mas a carne bovina, e também frutas. Já conseguimos entrar com a manga brasileira e agora estamos negociando o abacate e o melão. E quem sabe, no futuro, um acordo comercial porque as frutas do Peru e do México entram sem imposto e as do Brasil são taxadas, ou seja, a gente perde competitividade. Mas volto a frisar que este não é trabalho do Consulado, é da Embaixada. Mas toda oportunidade que nós temos, seja almoço ou reunião com a parte japonesa a gente menciona essas questões.
(Aldo Shiguti)
Sonho da quarta geração ter um visto menos complicado 🙏