‘Os agricultores precisam ser bem tratados. São eles que colocam comida na mesa da população’

Luiz Nishimori, que anunciou posição de independência Voto o que for melhor para o país

ENTREVISTA: LUIZ NISHIMORI

Eleito para seu quarto mandato na Câmara dos Deputados, Luiz Nishimori (PSD-PR) tem se destacado não só por sua atuação na comunidade nipo-brasileira, em especial do Paraná e dos brasileiros residentes no Japão, como também para o fortalecimento das relações Brasil-Japão e do agronegócio brasileiro. Empresário e agricultor – preside atualmente o Grupo Parlamentar Brasil-Japão e é membro do Frente Parlamentar da Agropecuária –, o parlamentar explica que a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou o país dividido entre duas ideologias: o comunismo e o liberalismo. Para ele, unir esses dois polos não será fácil e deve levar tempo. Em entrevista ao Nippon Já, o deputado, por outro lado, disse que não concorda com as manifestações antidemocráticas de 8 de janeiro. “A partir do momento que você parte para a violência, agressão e depredação, você perde toda a razão”, destaca, acrescentando que, agora cabe aos deputados colaborarem e pensar, primeiro, “em um Brasil melhor”.

Para isso, anunciou que pretende assumir uma posição de independência nas votações, mesmo contrariando a decisão do seu partido, o PSD, de Gilberto Kassab. “Quando o projeto for bom para o Brasil, votarei a favor, seja de lado for”, garantiu Nishimori, explicando também que o governo precisa tratar bem os agricultores. Antes de viajar ao Japão, em março, onde coordenará mais uma Missão Econômica e de Amizade e que será formada pelo governador do Paraná, Carlos Roberto Massa Júnior, o Ratinho, além de secretários e empresários, Luiz Nishimori esteve na redação do Nippon Já onde concedeu a seguinte entrevista:

Aldo Shiguti

Nippon Já: Como avaliou as manifestações de 8 de janeiro e como o senhor acha que isso afetou a imagem do Brasil lá fora?

Luiz Nishimori: Eu até entendo a insatisfação daqueles que atacaram tanto o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, mas a partir do momento que você parte para a violência, agressão e depredação, você perde toda a razão. Diria que foi um dia triste para todos nós brasileiros termos que assistir aquelas cenas. Não gostaria que tivessem acontecido. É lógico que toda essa insatisfação veio após o resultado da eleição presidencial e outra parte cobrando a postura do atual presidente Lula. Mas, mesmo assim, terá que haver punições pois se tratou de um ato muito violento e eu não posso concordar com essa violência e essa depredação, que trouxeram muitos prejuízos. Vamos ver o que acontece, mas acredito que, de qualquer forma, o Brasil ficou dividido depois desta eleição. Há uma divisão clara entre comunismo e liberalismo e acho que não será fácil unir esses dois polos em pouco tempo. É um processo demorado, mas temos que colaborar e pensar, primeiro, no Brasil.

 

N.J.: Qual será sua posição no novo governo?

L.N.: Eu terei uma posição de independência. Ou seja, quando o projeto for bom para o Brasil, votarei a favor, seja de que lado for.  Agora, se realmente mexer com o setor produtivo, que é tanto o setor da agricultura como o setor industrial e comercial, que está indo bem, e o de energia, já avisei que votarei de forma independente. Na verdade, o mundo está precisando de comida e energia e o Brasil tem. São questões que temos que defender. Ou seja, se mexer com a parte industrial, comercial ou a agricultura, eu voto contra.

N.J.: Independentemente do seu partido [o PSD, presidido por Gilberto Kassab, ocupa três Ministérios no atual governo]?

L.N.: Sim, independente da postura do meu partido. Se realmente o governo mexer com o setor produtivo seu votarei contra. Mas por outro lado, fiquei tranquilo porque, recentemente, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, anunciou que o governo Lula não só não pretende revogar as reformas trabalhista e previdenciária como também defendeu uma reforma tributária, unificando todos os impostos sobre circulação. Isso me tranquilizou um pouco porque pelo menos o governo Lula não vai colocar em prática a ideologia que rege o PT. Para governar, o Lula terá que vir para o Centrão, que é quem faz um balanço deste Congresso Nacional.

N.J.: Ele terá que negociar…

L.N.: Ele não poderá é adotar o discurso petista. Terá que fazer um discurso voltado para o Centrão que, como presidente da República, quer ajudar o nosso Brasil. Nessa questão eu aposto muito no Centrão. O partido o qual estou filiado [PSD], aliás, pertence ao Centrão.

N.J.: Voltando à questão da divisão do país, qual o trabalho que o senhor acha que o Lula deve fazer para pacificar o Brasil?

L.N.: É um trabalho bastante difícil. Como se muda o pensamento de cada um, que, aliás, é bastante radical? Com radicalismo não é possível reconstruir este país. Por isso o papel do Centrão será fundamental para contrabalancear estes dois lados e para que o presidente ou o governo Lula fique no meio e possa governar.

N.J.: Nesse caso o Centrão então terá um papel muito importante…

L.N.: De suma importância. Já em relação à política externa, eu não posso entrar nessa questão. Se ele [o presidente Lula] vai se aproximar com a China, com a Índia, é lógico, temos que nos aproximar pois são parceiros importantes. Mesma coisa em relação aos Estados Unidos. Mas na minha opinião, haverá uma aproximação maior com a Venezuela, Cuba, China… E aí ele não perde os votos dos deputados nem dos senadores porque não podemos entrar nesse mérito, temos que avaliar o que acontece aqui, internamente. Agora, acho que o Lula terá problemas no Senado porque ele não tem votos suficientes lá. A própria eleição do Senado… olha, eu quero ver isso [a eleição para a presidência e os outros cargos da Mesa Diretora da Senado e da Câmara dos Deputados acontecerá em 1º de fevereiro. Dois nomes devem disputar o cargo: o atual presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e  Rogério Marinho (PL-RN) e Eduardo Girão (Podemos-CE)]. Estou atento para essa questão no Senado. Quanto à Câmara, por enquanto a situação está tranquila. Mas eleição para presidente da Mesa é sempre muito complicado e podem ocorrer mudanças de última hora.

N.J.: Outra questão que o senhor levantou foi a importância do agronegócio. Como o senhor viu as primeiras tentativas de uma aproximação do novo presidente com o setor?

L.N.: O Lula tem certa mágoa do setor, mas como eu disse, o mundo está precisando de comida. Quem produz comida são os agricultores, o agronegócio. Mas o governo Lula teve sorte nesse aspecto. Esse ano as estimativas da safra de soja são bastante otimistas. No governo Bolsonaro tivemos três anos de safras ruins. E em seu primeiro ano, o governo Lula deve colher uma safra de 150 milhões de toneladas de soja. Estima-se um aumento também na produção de milho. Então, em suma, a agricultura é muito importante para o país e eu sempre digo que a agricultura representa um quarto do PIB nacional, que responde por cerca de 30 e pouco por cento dos empregos formais e ainda coloca comida na mesa da população. Poxa vida, então ele não pode ser contra. Os agricultores precisam ser bem tratados. Sabemos que os agricultores não votaram no Lula, mas não pode existir essa mágoa.

Nishimori com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hayashi

N.J.: Mas porque essa insatisfação por parte dos agricultores em relação ao governo Lula?

L.N.: Acho que o governo Bolsonaro ajudou muito a agricultura porque, apesar de três safras ruins, o governo Bolsonaro foi o que mais ajudou os agricultores, que ficaram muito satisfeitos com esse tratamento. O mesmo aconteceu com os caminhoneiros. E o setor produtivo precisa ser ouvido. Não sei por que razão os agricultores, em sua grande maioria, apoiaram a reeleição do Bolsonaro. Mas o Lula também teve apoio dos agricultores familiares. Acho que ele deve esquecer essa mágoa e tratar bem os agricultores daqui para frente. Ele precisa rever algumas posições.

 

N.J.: O senhor que esteve recentemente com a deputada Yuko Obuchi e o ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Yoshimasa Hayashi, como a vitória do Lula repercutiu no Japão?

L.N.: Para o governo japonês tanto faz quem ganhasse. O governo japonês tem que estar muito bem com o governo brasileiro, seja ele quem for. O tratamento e o respeito continuam o mesmo, dos dois lados. Recentemente tivemos uma visita de duas autoridades japonesas. Primeiro, da deputada Yuko Obuchi, que, aliás, gostei muito, e também do nosso ilustre ministro dos Negócios Estrangeiros, Yoshimasa Hayashi, muito bem preparado. Tivemos a grata satisfação de conversar com os dois e pude colocar cinco desafios.

Primeiro, estabelecer o acordo de livre comércio entre o Brasil e o Japão. Da maneira que está, é ruim para os dois lados porque existe uma diferença de quase 15% de taxação sobre produtos brasileiros em relação a outros países, como o Acordo da Associação Transpacífico (TPP), que estabeleceu o livre-comércio entre doze países da Ásia; da União Europeia com o Japão; dos Estados Unidos com o Japão e mesmo do México com o Japão. E nós não temos nada. Daqui a pouco não vamos mais poder vender nem carne de frango para o mercado japonês. E isso é ruim para o mercado japonês porque ele precisa comprar. O Japão precisa ter essa preferência de adquirir os produtos brasileiros, seja carne de frango como a proteína animal de forma geral. As empresas japonesas querem comprar nossos produtos.

N.J.: Recentemente, em entrevista ao Nippon Já, o cônsul do Brasil em Hamamatsu, Aldemo Garcia, disse que o objetivo é exportar também frutas brasileiras para o mercado japonês

L.N.: Frutas, cereais… Os japoneses agora querem comprar também milho. Daqui a pouco será o trigo. Precisamos ter um plano nacional de plantio de trigo. Por outro lado, eles querem vender produtos como o saquê, a carne wagyu e comidas em geral. Não acredito num acordo entre o Japão e o Mercosul, porque o acordo Mercosul – União Europeia não vai para a frente. Então, o que precisamos é estabelecer um convênio de produtos considerados preferenciais do lado brasileiro e do lado japonês para que se estabeleça um valor ‘x’ para que não sejam taxados. Lógico, é apenas uma sugestão que apresentei ao ministro Hayashi, mas é viável. O Itamaraty e o Gaimusho precisam começar a discutir essa questão. Outro desafio que propus foi a isenção do visto de turismo para brasileiros. O Brasil já abriu as fronteiras para os japoneses já está na hora do Japão também abrir suas fronteiras para os brasileiros [em matéria veiculada no dia 19 de janeiro, a CNN informou que o  governo brasileiro pretende reavaliar a isenção de visto concedida a turistas dos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão para entrada no Brasil e que o governo Lula não descarta retirar o benefício dado durante a gestão Jair Bolsonaro caso não haja reciprocidade]. Os japoneses abriram para argentinos e uruguaios e para o Brasil não? Como é que pode? O Brasil não é um país de amizade? Essa abertura é muito importante porque faria muitos brasileiros viajarem para o Japão, o que seria um bom negócio para o mercado japonês. Outra modalidade de visto é levar os jovens para o Japão. Hoje não pode porque não tem visto de turismo. O terceiro desafio, refere-se ao visto para yonsei. Isso é fundamental. Se não sai, como ficam as quinta e sexta gerações de descendentes de japoneses? Se quiserem valorizar a comunidade nipo-brasileira, o Japão tem que conceder visto para os yonseis. E eu estou cobrando isso. O quarto desafio, seria a questão do estágio para brasileiros jovens num período de três anos. Dá tranquilamente para ser feito. Mandaria o jovem que gostaria de aprender o japonês, ele ficaria um ano lá e poderia trabalhar nesse período, porque estaria em regime de arubaito. E o quinto e último desafio foi a venda de carne suína paranaense para o mercado japonês Santa Catarina exporta porque o Paraná e o Rio Grande do Sul não podem? O mesmo com a carne bovina, queremos fazer um churrasco com carne brasileira lá em Tóquio, que tem muitas churrascarias. A qualidade da carne brasileira, com todo respeito, é muito superior.

Deputado Luiz Nishimori com a deputada Yuko Obuchi

N.J.: Por falar em visita, o senhor deve embarcar em uma nova Missão Econômica e de Amizade ao Japão entre os dias 4 e 13 de março. Já tem um roteiro definido? Quem deve fazer parte dessa missão?

L.N.: Devem integrar essa Missão o governador do Paraná, o Ratinho [Carlos Roberto Massa Júnior, que á casado com a nikkei Luciana Saito Massa], secretários e empresários. Temos muitas coisas para ver e tratar [a programação, prévia, que está sujeita à alteração, prevê visitas à Foodex Japan 2023, que será realizada em Makuhari Messe International Convention Complex Chiba (Tóquio) de 7 a 10 março; a várias empresas, como a Mistui e a Nissim, e a órgãos governamentais como o Ministério da Agricultura, Florestas e Pecas (MAFF) do Japão e à Jica (Japan International Agency Cooperation), além de um encontro com o governador da província de Hyogo, Motohiko Saito, entre outras atividades]. Queremos também atrair as empresas japonesas para se instalarem no Paraná e negociar a exportação de carne suína para o Japão, já que o Paraná abriga uma das maiores cooperativas do setor, a Frimesa, além da Alegra e a Coopavel. Essas três empresas detêm quase 70% da exportação da carne suína paranaense. Eles querem vender para o Japão, que é um mercado que paga bem. Todas essas empesas já vendem carne de frango para o mercado japonês. Nós vamos lá de novo para conversar.

N.J.: O ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Yoshimasa Hayashi quando esteve em visita ao Brasil, se reuniu com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e um dos assuntos discutidos foi uma eventual visita dos líderes, tanto do presidente Lula ao Japão quanto do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida ao Brasil. O senhor acha que, caso essas visitas de líderes ocorram, pode haver avanço em algum desses desafios propostos pelo senhor?

L.N.: Essas visitas estão sendo aguardadas com muitas expectativas e serão muito importantes para os dois lados. E pode ser que isso aconteça após a cúpula do G7, que será realizada em maio deste ano, em Hiroshima. Até lá não dá para fazer nada. Depois disso dá para se pensar algo no segundo semestre. Também foi pedido nosso para que viesse o primeiro-ministro do Japão para que, até 2024, quando o Brasil sediará, pela primeira vez, uma reunião do G20, que reúne presidentes e primeiros-ministros das 20 maiores economias do planeta, seja resolvido algo que foi citado. Ou pelo menos metade. É sempre bom lembrar que a decisão final cabe ao Executivo, ou seja, aos primeiros-ministros, ministros das Relações Exteriores, ministro da Indústria e Comércio e aqui, no caso específico, do presidente da República com os ministros de Estado, principalmente o Itamaraty – do lado brasileiro – e o Gaimusho – do lado japonês. Eles têm que entrar em acordo. O meu papel é sugerir e conversar para que esses acordos saiam do papel.

(Aldo Shiguti)

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