‘As amizades que construí são meu grande patrimônio’, diz Renato Ishikawa
Com mandato até abril de 2025, o atual presidente do Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Renato Ishikawa, iniciou 2024 cheio de planos. E não é para menos. O ano deve ser de muito trabalho. Fora a programação normal da entidade, em 2024, o Pavilhão Japonês comemora seu 70º aniversário. No ano que vem o Bunkyo também celebrará 70 anos. Além disso, o Brasil sediará, pela primeira vez, a cúpula de chefes de Estado e governo do G20, ocasião em que o país deverá receber líderes mundiais – entre eles, autoridades japonesas. Não bastasse, Renato Ishikawa terá, também, que preparar seu sucessor. Sobre o assunto, aliás, ele admite uma certa frustração por não conseguir realizar um de seus sonhos: preparar um jovem para sucedê-lo. Mas, garante que, quem quer que seja, o escolhido terá que se comprometer que trabalhará para preparar um jovem como presidente.
Confira os principais trechos da entrevisa concedida por Renato Ishikawa ao Nippon Já:
Nippon Já: Entramos praticamente no último ano do seu terceiro mandato. Qual o balanço que o senhor faz até aqui?
Renato Ishikawa: É, o Estatuto do Bunkyo não permite mais que três mandatos. Quando eu comecei aqui no Bunkyo, em 2019, devo confessar que estava muito preocupado porque eu não conhecia muita coisa sobre a comunidade japonesa, já que eu não estava acostumado a frequentar os eventos. Sempre trabalhei em empresas como executivo e nunca tive tempo suficiente para participar dessa comunidade. Realmente fiquei preocupado, mas como sempre digo, gosto de me relacionar, trabalhar com pessoas. Na primeira gestão quase não tinha conhecimento para compor a Diretoria, mas graças a Deus, esse relacionamento que eu tenho com pessoas possibilitou com que eu pudesse montar um time bastante unido e coeso, que trabalhou mesmo.
Acho que isso me deixa muito satisfeito, ou seja, ter trabalhado com pessoas é uma das muitas boas lembranças que vou carregar, o fato de ter criado essa amizade com o pessoal e também ter trabalhado com jovens, que eu aprecio muito – porque gosto muito de trabalhar com jovens. Essa é outra grande lembrança que eu tenho, de ter me aproximado desses jovens nikkeis, que são fantásticos. Eles têm uma cabeça maravilhosa e cada vez mais eu me surpreendo com cada um deles. Não vou nem mencionar nomes para não deixar ninguém de fora, mas de forma geral eles são fantásticos. Digo jovens na casa de seus 40 anos, até menos. Não à toa, temos aqui o Comitê de Jovens, que é subdividido em Comissão de Jovens… É claro que não podemos esquecer que tem também os meus senpais, pessoas que, não pela idade, mas pela experiência, me ensinaram muito e foram muito valiosas nesses três mandatos. Pessoas que podiam estar em casa com a famílias mas que dedicam seu tempo para trabalhar em prol da comunidade. Acho que essa é outra boa lembrança que vou levar, de ter criado esse laço, esse vínculo de amizade. Esse é o grande capital que eu levo, o patrimônio que eu levarei comigo.
Nippon Já: A partir de que momento podemos afirmar que ‘essa administração tem o toque do Renato Ishikawa’?
Renato Ishikawa: Acho que a partir do primeiro mandato mesmo. Eu tenho uma visão diferente de muitas pessoas, de, como disse, priorizar as pessoas. E também nunca esqueço o lado racional, o lado empresarial. Claro que, no fundo, eu queria, de alguma forma, administrar o Bunkyo de forma empresarial. Tanto é que, graças a Deus, com muito esforço e a colaboração de todos, conseguimos reverter a situação que o Bunkyo se encontrava. Hoje, financeiramente, podemos dizer que a entidade está bem. Não é nada de extraordinário economicamente falando, mas o caixa está bom. Acho que essa visão empresarial fez com que fechássemos esses anos com um superávit financeiro. Isso, naturalmente, dá uma certa tranquilidade para o pessoal trabalhar.
Também pude transferir um pouco desse pensamento empresarial para dentro de cada comissão, de cada evento realizado. Afinal, cada evento tem que ter o seu objetivo, que é ser superavitário e não mais deficitário. Claro que não podemos cobrar isso de todos os eventos ou atividades como, por exemplo, àqueles que são próprios da missão do Bunkyo, como a atividade de cuidadores de idosos e o Gueinosai. Esses nunca darão lucro e nem é para dar mesmo, mas acho que, fora isso, os demais que estão dando superávit, estão deixando caixa. Claro que ainda falta buscar uma forma autossustentável, com a participação de toda a comunidade. Falta criar aqui um fundo endowment. Acho que isso seria um grande objetivo nosso, criar um endowment de tal forma que envolvesse não só empresas japonesas mas também todas as empresas de forma geral, fazendo com que o Bunkyo se tornasse autossustentável e não dependesse só de eventos. Isso seria um grande objetivo. Apesar de não ser fácil de implantar, quero deixar a sementinha pronta.
Nippon Já: Duas de suas principais bandeiras são: dar protagonismo aos jovens e incrementar o relacionamento. A partir de quando o senhor constatou que seria necessário implantar essas duas bandeiras?
Renato Ishikawa: Na verdade eu já tinha essa ideia quando fui convidado para ser presidente do Bunkyo. Eu já tinha definido claramente na minha cabeça que gostaria de trabalhar com os jovens. O relacionamento veio depois, mas trabalhar com os jovens, eu tinha muito bem definido isso, porque sempre achei que os jovens hoje representam a continuidade da nossa comunidade. Tanto é que, na primeira reunião, antes mesmo de ser confirmado como presidente, pedi uma reunião com os jovens. E foi maravilhoso. Eu queria realmente encontrar com eles, trocar ideia. Todos me receberam de braços abertos e isso acabou sendo um grande incentivo para que eu pudesse trabalhar mais à vontade.
Foi a partir dessa reunião, com a participação de 20, 25, 30 pessoas e organizada pelo nosso inesquecível Marcelo Hideshima que senti que eu poderia realmente trabalhar de uma forma muito forte com os jovens.
Nippon Já: Mas essa receptividade não veio de forma gratuita. Eles sentiram que podiam confiar no seu trabalho…
Renato Ishikawa: Ah, sim, talvez eles já me conhecessem pelo nome ou algo do tipo. Mas, claro que era o primeiro encontro com eles e estava lá a nata dos jovens nikkeis de São Paulo. Posso dizer que esse apoio fez com que eu entrasse com o pé direito.
Nippon Já: Como o senhor disse, sua experiência anterior era com funcionários e aqui no Bunkyo o senhor encontrou voluntários. O senhor teve alguma dificuldade para implementar seu método de trabalho por se tratar de voluntários?
Renato Ishikawa: É, acho que tem uma grande diferença grande, né? Porque trabalhar com executivos remunerados é uma coisa, você sempre será respeitado hierarquicamente pela sua posição, mas aqui foi diferente. Aqui somos todos iguais, estamos no mesmo nível. E, exceto os funcionários, ninguém trabalha por remuneração. Trabalham realmente por um sentimento e por altruísmo. Na verdade, o trato com os voluntários é totalmente diferente. Porque, sendo presidente de uma empresa, as pessoas te respeitam, gostem ou não. Mas aqui é diferente, aqui você tem que conquistar a confiança do pessoal. Mas felizmente sempre tive isso comigo, mesmo sendo hierarquicamente superior, sempre respeitei e busquei conquistar ou ganhar a confiança e credibilidade. Aqui não foi diferente. Trato da mesma forma as pessoas que trabalham no escritório como os voluntários. Acredito que criar essa relação de respeito é muito importante.
Nippon Já: O senhor diria que esse praticamente último ano vai ser um trabalho mais de ajustes, de preparar seu sucessor? Quais outros desafios que o senhor terá pela frente?
Renato Ishikawa: Na última Reunião do Conselho Deliberativo, divulgamos as Diretrizes Básicas para 2024 (que inclui planejar e realizar a atividade comemorativa de 70 anos de construção do Pavilhão Japonês, concomitantemente à comemoração dos 470 anos de fundação dacidade de São Paulo; planejar e iniciar a obra de restauro da fachada tombada como patrimônio histórico do Edifício Bunkyo, preparando como atividade comemorativa dos 70 anos de fundação do Bunkyo, em 2025; realizar a captação de recursos para projetos de eventos e atividades através dos incentivos governamentais; continuar e valorizar as atividades dos líderes jovens; dar continuidade ao esforço para o fortalecimento entre o Bunkyo e as entidades nipo-brasileiras; fortalecer o espírito coletivo para evitar que as Comissões continuem atuando isoladamente e tornar efetivo o lema ‘Juntos Somos Mais Fortes’).
Mas acho que realmente o legado que eu quero deixar aqui é a valorização dos jovens para que eles possam nos liderar futuramente. É isso que eu quero deixar como legado.
Construir prédios ou pintá-los qualquer um pode fazer, mas criar esses jovens para que eles assumam o papel de protagonistas e tomem a rédea da gestão, acho que isso é o mais importante.
Nippon Já: Mas, de certa forma, fica alguma frustração por não ter preparado um jovem para sucedê-lo?
Renato Ishikawa: Fica, fica, fica, é verdade. Fica sim. Porque, como todos sabem, eu apostei no Marcelo Hideshima, uma pessoa que eu confiava muito e que me ajudou muito. Aos poucos ele estava aceitando essa possibilidade [de ser presidente do Bunkyo]. Ele não tinha dado a minha palavra final, mas um dia antes dele falecer [no dia 1º de fevereiro de 2023, aos 53 anos de idade], ele já tinha aceitado a ideia de me suceder. Fico um pouco frustrado sim, mas meu sucessor vai ter que se comprometer que o próximo presidente será um jovem.
Nippon Já: O senhor já pensou o que fará quando deixar a presidência do Bunkyo? Vai continuar ajudando?
Renato Ishikawa: Não é do meu estilo sair e ficar sombreando quem quer que seja meu sucessor. Talvez continue ainda como conselheiro. Claro que muitas coisas vão acontecer em 2024, como os preparativos para as comemorações dos 130 Anos do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Brasil-Japão e gostaria de estar presente pelo menos neste ciclo. Vamos ver. Também posso participar como voluntário normal e farei isso com maior grado.
Nippon Já: Existe alguma possibilidade de o senhor estender seu mandato?
Renato Ishikawa: Não, nenhuma possibilidade disso acontecer. Existe um estatuto e temos que respeitá-lo. Além disso, acho que três mandatos são mais que suficientes..
(Aldo Shiguti)