Brasileiro não-descendente conta como realizou sonho de conhecer as 47 províncias do Japão

Renan Ricci percorreu dezenas de cidades e vivenciou momentos inesquecíveis durante jornada (Fotos: Arquivo Pessoal)

 

Ainda criança, com apenas seis anos de idade, sem nenhum contato com a cultura japonesa, ele disse aos pais:
“quero ir para o Japão”, persistiu no sonho e realizou aos 31 anos

 

(Por Silvio Mori, especial para o Nippon Já)

 

Conhecer o Japão é o sonho de muita gente. Uma viagem até Tóquio, capital do país, mesmo que por poucos dias pode significar a realização desse desejo. Para os descendentes de japoneses é algo mais próximo, porém, para os não-descendentes poder ser mais complicado, mas não impossível. Mesmo que o roteiro seja as 47 províncias do arquipélago japonês.

Esse era o grande sonho do brasileiro Renan Ricci, de 31 anos, especialista em marketing digital e agora criador de conteúdo sobre o Japão e roteiros personalizados. Conhecimento para isso ele tem de sobra, pois o paulista conheceu o Japão de Hokkaido a Okinawa.

Visitar o outro lado do mundo surgiu quando Renan ainda era criança e sem nenhum contato com a cultura japonesa. “Lembro-me que, com apenas uns 6 anos de idade, sem ter tido nenhum tipo de contato com a cultura japonesa, eu falei para os meus pais: quero ir para o Japão. Riram de mim naquele momento”, conta.

Na adolescência, o que havia dito para os pais ainda persistia dentro de si e sempre tinha algo ligado com sua vontade de conhecer o Japão. Nesta época, costumava jogar videogame com seu irmão mais velho e se divertiam com o jogo de futebol da “J-League”, onde alguns ex-jogadores do Palmeiras, seu time de coração, estavam presentes, casos de Evair, Zinho e outros. “Eu ficava horas jogando e tentando entender o que estava escrito na caixa da fita, até me arriscava em escrever sozinho os kanjis”, relata.

Foi nessa época também que Ricci iniciou no kung-fu. Apesar de ser um esporte de origem chinesa, era necessário estudar o idioma japonês para alcançar a troca de faixa. Tal fato o deixou mais fascinado e curioso pela cultura japonesa.

Segundo Renan, sua vida inteira esteve conectada com o Japão e graças a este sonho não desistiu de si mesmo, literalmente. Por isso, quando decidiu que viveria no Japão por um tempo, queria que fosse algo marcante, intenso, e que pudesse ver de perto tudo aquilo que já havia estudado em livros, tanto sobre a Segunda Guerra Mundial, especificamente sobre Hiroshima e Nagasaki, passando pela sangrenta guerra de Okinawa, e até sobre os primórdios do Japão, como a incrível história dos “upopoys” em Hokkaido, entre outras.

“Mas eu sentia que se fosse algo ‘pontual’, sem um objetivo ainda maior. Talvez eu desistisse nos primeiros meses, afinal, estaria longe da minha família e amigos, não conhecia ninguém, não falava a língua, era tudo completamente diferente da minha realidade. Daí, então, surgiu a ideia de tentar percorrer todas as províncias do país. Eu pensei: ‘já que farei o mais difícil que é chegar lá, por que não fazer um mochilão pelo país inteiro?’”, questionou Renan, tomando uma decisão coerente com suas reflexões: “Assim, além da língua, eu teria um objetivo a mais pra me manter firme nessa jornada. Certa vez eu li que o tamanho do Japão é equivalente ao tamanho do estado de São Paulo, então imaginei que não seria impossível”, disse.

Durante sua pesquisa, ele procurou por alguém que já tivesse feito algo semelhante e registrado, mas nada foi encontrado. Na rede social Instagram encontrou um perfil que o influenciou muito nesse objetivo, o do brasileiro “Anderson Silva”, dono do perfil “196 sonhos”, no qual se tornou a pessoa mais rápida a percorrer todos os países do mundo. “Daí pensei: se esse cara deu a volta ao mundo, eu consigo dar a volta no Japão. Foi então que bati o martelo e iniciei o meu planejamento estratégico”, conta.

Ricci tinha um sonho de conhecer o Japão desde os 6 anos

 

Como chegou ao Japão – Ricci conta que foram dois anos de planejamento – entre 2018 e 2019. Como não possui descendência, estava ciente que seria difícil permanecer no Japão como um residente, então a única forma de conseguir viver no país, aprender a língua e conseguir fazer o mochilão de forma mais tranquila seria por meio de uma bolsa de estudos ou por meio de uma escola de língua japonesa que fornecesse o visto de estudante.

Como as bolsas são muito competitivas e ele não falava o japonês e nem o inglês para entrar na disputa, decidiu tentar pela forma mais “fácil”, contudo, a mais cara para sua realidade. Sem medo, se matriculou numa escola de língua japonesa e por conta própria bancou seus estudos.

“Como os valores são absurdamente altos, cheguei e trabalhar/freelar para 11 empresas ao mesmo tempo, de segunda a segunda, sem descanso. Ao final dessa maratona, prestes a bater a minha meta financeira, acabei adoecendo e fiquei internado pouco antes de vir para o Japão. Cheguei até a pensar que teria que adiar a viagem – que seria trágico -, pois isso tudo aconteceu no início da pandemia. Uma semana após eu chegar no Japão, as fronteiras foram fechadas”, relata.

O roteiro – A primeira impressão ao olhar o percurso trilhado por Renan é de um roteiro criado no Brasil, mas não foi assim. Tudo foi construído depois que ele chegou ao arquipélago. Ele conta que, além da quantidade de trabalho que acumulou pra poder juntar o dinheiro necessário para seu sonho, tinha ainda a parte de toda a documentação para a imigração e para a escola de japonês, além de procurar uma moradia no Japão. Essa era sua primeira viagem internacional, sem nenhuma experiência, e também não conhecia muito bem a geografia do Japão, tampouco os melhores meios de transporte com bom custo-benefício.

“Eu estudei os roteiros e fui aprendendo a me deslocar quando cheguei aqui. O acesso às informações é mais claro e melhor dentro do país, além de poder consultar diretamente os japoneses e/ou amigos que já moravam aqui há mais tempo”, declarou.

A cada trimestre, a escola em que estava tinha de uma a duas semanas de folga, e foi nesse período que Renan criou seu roteiro. Sua viagem mais extensa, por exemplo, foi durante as férias de verão no Japão (natsu yasumi), quando ele foi para Kyushu e Shikoku, em 15 dias. “Como a grana era realmente contada, então peguei um avião de Tóquio até Nagasaki (o ponto mais longe do roteiro) e fui contornando a ilha de ônibus noturno (assim também economizava uma noite de hotel) seguindo a ordem das províncias: Nagasaki > Saga > Fukuoka > Kumamoto > Kagoshima > Miyazaki > Oita – de Oita para Ehime fui de navio -, e assim por diante”, conta.

Sem esquecer que sua grana era curta, o visitante sempre calculava todas as opções de horário e transporte para saber a opção mais barata, como viajar de ônibus à noite ou de trem. Para descansar, nada de hotel de luxo, optando sempre pelos “netcafés” (estabelecimentos tipo lan house que muitas pessoas utilizam para descansar). “Fazia sempre o comparativo entre todas as opções e decidia pela mais barata, sempre”, complementa.

De todos os locais de seu roteiro, com exceção de Hiroshima que era a província que ele mais queria conhecer, Renan planeja os percursos de acordo com suas folgas. Por isso, quanto maior a folga, mais províncias e uma maior região ele poderia visitar. Foi assim que foi a Kyushu e Shikoku; depois a região de Tohoku com Niigata. Em seguida, partiu para desbravar Chugoku e, durante os menores períodos de folga, viajava para províncias próximas de Tóquio, como Kanagawa, Saitama, Gunma, Chiba e Ibaraki. As outras duas ilhas mais afastadas, Okinawa e Hokkaido, fez em feriados específicos.

Gosto é gosto – Os passeios e destinos turísticos eram decididos pelos fatos históricos pelo seu gosto, mas caso não houvesse nada em que havia estudado sobre aquela determinada província, consultava diretamente algum professor da sua escola, principalmente na classe de “business para turismo”, no qual teve a oportunidade de estudar antes da sua graduação na escola de idiomas. Em paralelo, pesquisou bastante para saber mais sobre pontos marcantes de cada província.

“Feito isso, era só montar o ‘quebra-cabeça’: hotel e transporte (mais baratos possíveis) mais próximo possível do primeiro ponto de visita, depois o último ponto turístico deveria ser próximo ao ponto de retorno (ou partida) para a próxima província. Fui pegando o jeito, hoje minha cabeça já pensa automaticamente em todos esses detalhes”, relata.

O determinado brasileiro, que estava vivendo seu sonho, disse que nunca chegou a alterar o roteiro geográfico (ordem das províncias programadas), mas teve que readaptar muitos passeios ou lugares em que gostaria de conhecer, assim como foi a viagem pelo norte do país, em que decidiu fazer no final do ano pela folga extensa da escola (no alto inverno). Nos noticiários do Japão, anunciavam mais de 2 metros de neve em grande parte das províncias do norte, mas Renan não deu ouvidos e quase se deu mal, como ele mesmo conta. Os “perrengues” incluíram vários atrasos de transportes e atrações fechadas. “Mas, no final, foi bem divertido, conheci muitas atrações alternativas e também aprendi muito sobre adaptação de roteiro e jogo de cintura”, disse.

A viagem para a região de Chugoku também teve adaptação por conta do tempo. “Eu estava finalizando a volta nas províncias programadas, mas saindo de Shimane para Yamaguchi houve um dilúvio de uns três dias seguidos, fiquei ilhado e sem transporte público, não tinha trem e nem ônibus”. Para conseguir prosseguir viagem, recorreu a um brasileiro que fazia transporte particular, conseguiu chegar em Hiroshima e, em seguida, partiu para Yamaguchi, porém, chegou na região sul da província e todo seu roteiro estava programado para a região norte do local. “Mais uma vez tive que me readaptar”, relembra.

Atualmente, contando sua viagem pelas 47 províncias do Japão, Renan conta que a província de Saga foi a mais simples de todas. “Não digo decepcionante, pois me emociono até dentro do kombini, mas a província de Saga não tem muito o que fazer (rs), além do sítio arqueológico. Foi realmente uma ‘saga’ fazer um roteiro lá”, conta.

Por outro lado, para o garoto sonhador, hoje um adulto de 31 anos, Hiroshima foi o local mais marcante de seu roteiro. “Hiroshima pra mim foi muito especial, foram muitos anos sonhando em pisar naquele lugar, desde o trabalho escolar, da música, daquele garotinho que passou por tantas coisas e um dia havia perdido o apetite pela vida e de repente estava lá. Foi um sentimento inexplicável, chorei de muita alegria e realização, era como sonhar acordado”, relata.

Paisagens de tirar o fôlego fizeram parte das viagens pelo Japão

 

As dificuldades – Renan conta que foram muitas dificuldades e perrengues, principalmente de adaptação no país. Ele emagreceu quase 15kgs nos seis primeiros meses de Japão, sem contar o frio absurdo que nunca havia presenciado.

A língua no começo também era um pesadelo, o que para ele era realmente muito frustrante, “eu via os chineses mandando muito bem e eu não conseguia acompanhar. Como eu queria muito me comunicar com os japoneses, no primeiro ano eu fiquei bitolado nos estudos, chegava a estudar 10 horas por dia. Mas viajar sozinho me ajudou demais com o aprendizado, tinha que me virar, fazer reservas e tudo mais”.

A grana era algo que sempre precisou de cuidado e atenção, tudo era bem “contadinho”. “Uma vez cheguei até a dormir na rua para esperar o horário certo para entrar no “netto cafe” e não estourar o budget”, explica. Atualmente, Renan conta que sua maior dificuldade é profissional, pois ainda não conseguiu encontrar algo que o satisfaça e que possa pagar as contas.

A realização de seu sonho durou dois anos e terminou em fevereiro deste ano. Todo seu passeio pelo Japão foi registrado e publicado em suas redes sociais, Youtube e Instagram (links no final).

“No começo, era apenas para mostrar um pouco do Japão aos meus parentes e amigos, mas as pessoas foram gostando, comentando e pedindo para que eu gravasse mais, então hoje eu faço como um hobbie em meu tempo livre. Eu amo falar sobre a história dos lugares, acredito que o Japão vai muito além do que essas paisagens incríveis”, afirmou.

Renan é mais uma prova de que o Japão fascina muitas pessoas, o desejo de conhecer o país que nasceu quando ainda era uma criança, o salvou de uma depressão e realizou, prova de que não é impossível viver um sonho, basta acreditar e correr atrás.

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Instagram: @riccinojapao/

 

 

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