Evento na Associação Okinawa Kenjin do Brasil celebra os 50 anos do retorno da província ao Japão e faz refletir

Comemoração teve apresentaç~eos culturais típicas (Foto: Tério Uehara)

“Nuti du takara”, ou “Não há tesouro mais precioso que a vida”, expressão da língua okinawana, dita pelo imperador Naruhito na cerimônia em comemoração ao 50º Aniversário da Devolução de Okinawa para o Japão, realizada em Tóquio, no domingo (15), por volta das 14 h (horário do Japão), e pelo vice-presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil, Tério Uehara, no sábado (14), às 19 h, na sede da AOKB, na “Comemoração do 50º Aniversário do Retorno de Okinawa ao Japão”, sintetiza bem o significado da data – Okinawa foi devolvida oficialmente ao Japão no dia 15 de maio de 1972, se tornando a 47ª província japonesa – não só para os okinawanos como também para o povo japonês.

Na transmissão que conectou, de forma online, a capital japonesa e a ilha de Okinawa, o Imperador Naruhito lembrou que Okinawa, “que foi cenário dos trágicos combates terrestres na Segunda Guerra Mundial, esteve fora do governo japonês por cerca de 27 anos após a guerra e foi devolvida na data de hoje, há 50 anos, através da amizade e relação de confiança estabelecida entre o Japão e os Estados Unidos”.

“Em Okinawa, onde muitas vidas preciosas acabaram perdidas na Grande Guerra, diz-se que foi criado um importante valor de ‘nuchi du takara’, ou seja, ‘a vida é um tesouro’. Estou profundamente emocionado por participar desta cerimônia e refletir sobre a história do povo okinawano que superou tantas dificuldades após a guerra”, discursou o imperador Naruhito.

Na AOKB – Já na cerimônia realizada na AOKB, Tério Uehara – que representou o presidente Ritsutada Takara – usou a expressão “nuti du takara” no encerramento do seu discurso. Antes, o vice-presidente da AOKB e CCOB contou um pouco sobre a história e tradições de Okinawa, que antigamente era denominada Reino de Ryukyu e considerado importante entreposto comercial na região.

Issamu Yamashiro puxou o Kanpai evento foi realizado pela AOKB e CCOB em tempo recorde

“O reino era centro de uma rede de comércio entre a Ásia oriental e o Sudeste asiático, o que, certamente, contribuiu para o desenvolvimento de costumes, arte e culinária significativamente diferenciada das demais províncias do Japão”, explicou Tério, acrescentando que, “durante a 2ª Guerra Mundial, Okinawa foi palco do maior combate aéreo, terrestre e naval de todos os tempos: A Batalha de Okinawa, que durou 82 dias (de 1º de abril a 22 de junho de 1945)”.

“Um combate corpo a corpo, onde morreram mais de 250 mil pessoas entre civis e soldados, japoneses e americanos. Cerca de um terço da população civil foi dizimada. 90% dos edifícios da ilha foram destruídos, junto com vários monumentos históricos, artefatos e tesouros culturais, com a paisagem tropical sendo transformada numa vastidão de lama, chumbo e decadência”, disse Tério, lembrando que após o conflito, Okinawa passou a ser administrada pelos Estados Unidos durante 27 anos.

“Inúmeras transformações ocorreram no arquipélago durante este período. De 1948 a 1958 a moeda oficial foi o Byen e, posteriormente, o dólar americano. Os carros dirigiam à direita, em contraste com as principais ilhas do Japão que utilizavam a mão esquerda. O governo imprimiu selos e passaportes dos nativos de Okinawa, que precisavam de visto para ir para a ilha principal do Japão”, observou o vice-presidente, explicando que “uma crise de identidade se estabeleceu, pois os okinawanos não eram considerados japoneses e nem americanos” e “inúmeros imigrantes pós-guerra vieram para o Brasil e Bolívia com passaporte americano”.

Apresentação de dança típica de Okinawa também fez parte da programação do evento

Futuro – Segundo Tério, “se por um lado o domínio norte-americano auxiliou na reconstrução de uma Okinawa destruída no pós-guerra com infraestrutura, modernização e progresso, por outro ficaram muitas questões a serem superadas”.

“Mas apesar do ambiente hostil, de enfrentarem dificuldades e constrangimentos de toda natureza, com muita resiliência o povo okinawano superou as adversidades com coragem e confiantes em dias melhores, e hoje prosperam em todas as partes do mundo nas mais diversas áreas”, disse.

“Em virtude da idade avançada, muitos dos que vivenciaram este triste episódio da história já não estão entre nós, mas seguiremos celebrando esta data para que ela seja sempre lembrada. Assim poderemos transmitir o passado de forma a oferecer novos significados para o presente, em direção ao futuro”, comentou Tério, destacando que “hoje estamos aqui no Brasil, celebrando os 50 anos de Reintegração de Okinawa ao Japão, trilhando, junto aos irmãos de todas as províncias e etnias, sempre com o objetivo maior de manter a paz entre as nações, o respeito e disciplina entre povos e pessoas”.

Tempo recorde – Preparado “em tempo record” – em apenas dez dias, como lembrou Tério Uehara – a cerimônia contou com a presença de várias autoridades, dirigentes e personalidades da comunidade okinawana.

 Walter Ihoshi, cônsul, Issamu Yamashiro, Tério e Tokujo Maeda

Estiveram presentes o cônsul geral do Japão em São Paulo, Ryosuke Kuwana; o presidente de honra e o presidente do Conselho Deliberativo da AOKB e CCOB, respectivamente, Issamu Yamashiro e Tokujo Antônio Maeda; o presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social), Jorge Yamashita; o presidente da Enkyo (Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo), Paulo Saita; o presidente da Kenren (Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil), Toshio Ichikawa; o presidente da Fundação Kunito Miyasaka, Roberto Nishio; o diretor de Comunicação da Aliança Cultural Brasil-Japão, Carlos Hideaki Fujinaga; os vereadores Aurélio Nomura e George Hato; os ex-deputados federais Walter Ihoshi e Koyu Iha; o ex-vereador Ushitaro Kamia, e a médica Nise Yamaguchi; além dos ex-presidentes Akeo Yogui e Eiki Shimabukuro, entre outros.

Reflexão – Todos que fizeram uso da palavra destacaram a importância não só de comemorar mas também de refletir sobre o acontecimento.

O cônsul Ryosuke Kuwana destacou ainda o quanto é “vibrante, dinâmica e ativa a comunidade uchinanchu que vive no Brasil”.

“Me impressiono quanto a cultura uchinanchu é presente na comunidade nikkei do Brasil, como na dança, no taikô, nas artes marciais – com o karatê –, na culinária – com o sobá de Okinawa – e tantas outras heranças culturais”.

Yuimaru e ichariba choode – “É com muito orgulho que vemos o Japão tão bem representado ao redor do mundo pela cultura okinawana. É admirável também a sabedoria de Okinawa como o conceito de ‘yuimaru’, que nos ensina sobre a cooperação entre as pessoas, e também a bonita expressão ‘ichariba choode’, ensinando que uma vez que os encontramos nos transformamos em irmão e irmãs. Com certeza elas estão na essência do vigor e sabedoria do povo uchinanchu e com as quais a humanidade tem muito a aprender para superarmos os nossos desafios de hoje e vivermos em harmonia”, destacou o cônsul.

Paz duradoura – Para o presidente do Conselho do Bunkyo, Jorge Yamashita, a data traz um sentimento especial, “Estava no Japão como estagiário quando ocorreu o anúncio da devolução”, disse Yamashita, explicando que o significado do evento pode ser sintetizado nas palavras do então primeiro-ministro Eisaku Sato. Terceiro premiê mais antigo do Japão (de 1964 a 1972), Eisaku Sato disse, na época, a devolução de Okinawa ao Japão era a ação mais importante de seu governo.

“A cerimônia de hoje tem um significado muito mais profundo, que é a busca de uma paz duradoura, uma paz realmente consolidada para o mundo. E AOKB e o CCOB estão dando um exemplo para o mundo e isso precisa ser valorizado para que não fique simplesmente nesse ato”, completou Yamashita, afirmando que essas datas “tem que ser lembradas e comemoradas para que as futuras gerações possam trabalhar a paz mundial com consciência.

Tributo – Para o presidente da Kenren, Toshio Ichikawa, “a geração que nasceu no Brasil, como a minha, conhece pouco da história da Batalha de Okinawa ocorrida na Segunda Mundial nas terras de Okinawa com perdas de muitas centenas de milhares de vidas humanas entre civis e militares”.

Programação artística contou com apresentação do grupo de taikô Ryukyu Koku Matsuri Daiko

Para ele, a reconstrução de Okinawa “foram anos de muita dor e sacrifício dos habitantes de Okinawa”. “Lembramos que todos os anos ocorrem cerimônias de paz para as vítimas das bombas de Hiroshima e Nagasaki, mas em Okinawa ocorreu também fato de igual gravidade e amplitude que não podemos esquecer jamais”, disse Ichikawa, que relembrou essa história como um tributo pessoal aos imigrantes de Okinawa e seus descendentes.

Com o coração – Já o presidente da Fundação Kunito Miyasaka, Roberto Nishio, “se limitou a falar com o coração sobre a importância da comunidade okinawana no Brasil”. “Quando adolescente ouvia com muito pesar a história de sofrimento de Okinawa. Sofreram antes da imigração para o Brasil, sofreram no Brasil e, quando estourou a guerra, sofreram também em Okinawa. Terminada a guerra, foi a última província a ser devolvida pelos Estados Unidos ao Japão. Acredito que foi um sentimento de muita tristeza para o povo de Okinawa não ter retornado ao Japão juntamente com as demais 46 províncias. Acho que seria como se estivéssemos um intruso administrando a nossa casa”, comparou Nishio, afirmando que o retorno de Okinawa ao Japão significou, em termos geográficos, a ampliação da zona marítima do Japão”.

Pujante e coeso – “ Também significou o retorno de uma província rica em sua natureza, o que propiciou um aumento significativo do turismo na região, mas o principal foi a reconquista do povo de Okinawa, povo alegre e trabalhador, um povo que enfrenta qualquer obstáculo com sorriso, dançando ao final de cada evento o katchasi”, finalizou Nishio, que considera o Kenjinkai de Okinawa, “com perdão dos representantes de outros kenjinkais”, “o mais pujante, o mais coeso e o mais representativo não só para o orgulho de nós, nikkeis brasileiros, como também para o governo japonês.

Aurélio Nomura e George Hato entregam placa a Tério Uehara

Dia do Uchinanchu – Autor da Lei que instituiu o Dia Internacional do Uchinanchu, comemorado todo dia 30 de outubro e que inclui a data no Calendário Oficial de Eventos da Cidade de São Paulo, o vereador Aurélio Nomura disse que “é admirável como a população okinawana enfrentou as mais variadas adversidades e manteve e ainda mantém as suas mais autênticas raízes que remontam a época do Reino de Ryukyu”.

“Hoje a coletividade okinawana do Brasil representa os valores culturais de Okinawa e com muito orgulho transmitem aos jovens e a todos os okinawanos o espírito uchinanchu”, disse Nomura, explicando que “ser uchinanchu é muito amis do que carregar e ser herdeiro de uma cultura milenar”.

Estado de espírito – “Ser uchinanchu é, na verdade, um estado de espírito, o espitiro okinawano que deve ser desenvolvido ao longo de sua história de forma peculiar”, destacou o parlamentar, que, juntamente com o seu colega George Hato entregou a placa do Dia Internacional do Uchinanchu ao vice-presidente da AOKB, Tério Uehara, que também fez a leitura do Voto de Jubilo e Congratulações de autoria de Aurélio Nomura e aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo pelos 50 anos de devolução de Okinawa ao Japão, sendo reconhecida como a 47ª província do Japão.

“O objetivo desta lei também é o de contribuir para a identificação e preservação dos valores dos descendentes de Okinawa, divulgando de forma ampla para levar este legado para as próximas gerações, para que os seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos possam compartilhar com a sociedade brasileira”, explicou Nomura.

Paz e união – Para George Hato, “mais que uma data comemorativa, é um dia para refletirmos sobre as consequências de uma guerra”. “O que tiramos desta lição é que um conflito sempre se desdobra em outros conflitos e a consequência disso é mais sofrimento e a morte de mais inocentes”, observou George Hato, lembrando que seu pai, o saudoso ex-deputado estadual Jooji Hato, “durante toda a sua vida pregou a paz como princípio inegociável”.

“O dia 15 de maio de 1972 representa um passo muito importante para a paz mundial e harmonia das nações. E é isso que estamos comemorando hoje, os 50 anos de paz e união”, ressaltou o vereador.

Katchasi – Após os discursos, todos cantaram o tradicional “Parabéns pra você”. A cerimônia contou ainda com apresentações artísticas do grupo de taikô Ryukyu Koku Matsuri Daiko – fundado pelo Sensei Naohide Urasaki (in memorian) – e de danças coreografadas pelo sensei Satoru Saito.

No final, como sempre acontece nos eventos da comunidade okinawana, todos participaram do katchasi – incluindo o cônsul geral – fechando a cerimônia com chave de ouro.

 

Para lideranças, momento de alegria e reflexão

“Para mim representa uma alegria muito grande. Há 50 anos, no dia 15 de maio, na Associação Okinawa de Santos, eu fiz esse discurso quando Okinawa foi devolvida. E o mais interessante é que nesses 50 anos, nós estamos vendo hoje a Guerra na Ucrânia. Em Okinawa, no primeiro dia foram 1200 bombas.. Por aí você vê os horrores. As pessoas que se escondiam nas cavernas foram tiradas de lá com lança-chamas. Os imigrantes que vieram no pós guerra, na década de 50, vieram com passaporte americano. Para sair de Okinawa e ir para o Japão tinha que ter autorização dos Estados Unidos.

Mas o mais interessante é que a Unesco reconhece toda uma cultura okinawana, a língua e a tradição okinawanas. Só o Japão que não reconhece. Porque o Japão não tem a soberania total sobre a ilha de Okinawa, lamentavelmente” (Koyu Iha, ex-deputado federal e ex-prefeito de São Vicente). “Trata-se de uma data bastante comemorativa para nós, okinawanos porque durante 27 ficamos sem nacionalidade. A ilha estava sob o domínio americano mas a gente, com cara de japonês, não era nem americano nem japonês. Para ir para o Japão precisava de passaporte, o que para nós era uma humilhação. Para vir para o Brasil, muitos daquela época vieram com passaporte americano. E quem ajudou os okinawanos a desbravarem as selvas da Bolívia foi o governo ameriano, que forneceu equipamentos e maquinários para abrir os caminhos lá. Então esse retorno representa a conquista da nacionalidade e a afirmação de que nós somos parte do Japão também por isso é uma data muito importante e significativo para todos nós” (Eiki Shimabukuro, ex-presidente da AOKB)

“Para nós é um momento de reflexão. Deve ser comemorado, mas também devemos refletir porque tudo isso aconteceu para que não volte a acontecer daqui pra frente” (Akeo Yogui, ex-presidente da AOKB)

“É uma data que tem que ficar na nossa memória, uma data pra gente refletir e de pensar no presente e no futuro. E a comunidade okinawana tem dado exemplos muito importantes para todos nós aqui no Brasil. É uma das comunidades mais organizadas, um povo muito alegre e trabalhador, que olha para frente e tem muita resiliência e é isso que nós estamos vendo aqui hoje. Esses 50 anos mostram que tudo que eles têm feito até agora deu resultado e que sejam cada vez mais prósperos” (Walter Ihoshi, ex-presidente da Jucesp e ex-deputado federal)

“Hoje é uma data muito importante. Okinawa é uma ilha super rica na cultura e se não fosse os imigrantes aqui no Brasil e a cultura okinawana para o mundo, talvez hoje não teríamos esse karatê mundialmente conhecido. Acho que o povo okinawano é um exemplo a ser seguido não só pela comundade nikkei mas também pela comunidade brasileira” (Sensei Flavio Vicente de Souza)

“Quando um país consegue reunir todo o seu povo dentro de um território ele se torna mais forte porque é essencial que nós tenhamos a soberania, a independência também territorial. Então o Japão, quando recebeu de volta a sua ilha de Okinawa ele se tornou mais forte, mais unido. Sem contar que nós estamos aqui no Brasil celebrando também essa linda comunidade okinawana que faz toda a diferença com expoentes, pessoas que participam ativamente da nossa sociedade. Então é um privilégio estarmos aqui nesse momento de celebração dos 50 anos de devolução da ilha de Okinawa ao Japão para que nós possamos construir, em conjunto, aqui no Brasil, uma comunidade nikkei mais forte inserida em todos os desígnios desse país continental”  (médica Nise Yamaguchi)

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