EXCLUSIVO: Médica Nise Yamaguchi quer ser senadora, defende tratamento preventivo e faz balanço da CPI

Sete meses após prestar depoimento – como convidada – da CPI da Pandemia, a médica Nise Yamaguchi concordou em dar entrevista para o Nippon Já. Mais velha de cinco irmãos, Nise nasceu em Maringá (PR) mas construiu sua vida em São Paulo, onde trabalha há cerca de 40 anos e mantém um instituto. Nissei – o pai, Tetsuo Yamaguchi é da província de Tóquio, e a mãe, Tiseko Yamaguchi nasceu em Presidente Venceslau (SP) – a médica anunciou, recentemente, que é pré-candidata ao Senado por São Paulo. Nesta eleição, será disputada, apenas, uma vaga ao Senado.  Por isso, a disputa será acirrada.

Caso obtenha uma legenda, em um “partido conservador, que apoie o presidente Bolsonaro” – caso ele decida ir para a reeleição, Nise também será a primeira mulher nikkei a concorrer ao Senado. Fato que, para ela, é um “privilégio, uma honra e um desafio”.

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 1982, Nise Hitomi Yamaguchi  completou a Residência em Clínica Médica e Imunologia e Alergia no Hospital das Clínicas da FMUSP em 1988. Durante os seus estudos realizou cursos na Alemanha e Suíça. Foi várias vezes ao Japão, onde tem parentes. Apesar de ter sido sua primeira língua materna, conta que hoje fala melhor alemão que japonês. Mas que pretende ter as aulas de japonês assim que possível.

Confira a entrevista concedida ao Nippon Já:

 

Nippon Já: Por que a senhora decidiu lançar sua pré-candidatura ao Senado?

Nise Yamaguchi: A minha pré-candidatura vem como uma resposta que eu devo ao público que tem me apoiado porque temos um Senado em renovação e é um momento importante para que mais vozes sejam ouvidas e os valores de persistência, de trabalho e de ética são cada vez mais necessários. É a Casa dos Estados brasileiros e onde se discutem os destinos do país, bem como as pessoas que vão estar trabalhando em prol da nação brasileira a nível das lideranças. A atuação legislativa e fiscalizatória do Senado precisa ser mais objetiva, verdadeira, menos preocupada com política-partidária e ideologias, e voltada para o verdadeiro interesse do povo. Caso seja candidata, acredito que posso levar os valores da cultura nipo-brasileira para a atuação legislativa e fiscalizatória do Senado. Tenho formação sólida em Medicina, onde fiz Imunologia e trabalhei com Oncologia no Hospital das Clínicas, mas estudei também minhas pesquisas em Houston, nos Estados Unidos, com a questão da biologia molecular aplicada genômica e, antes, trabalhei na Suíça e na Alemanha com Medicina Humanizada. Eu tenho certeza que, todos esses conhecimentos se traduziram numa percepção da dor humana e na busca de coisas que possam mitigar, diminuir a dor do ser humano.

Já fiz muitos congressos e reuniões, educação para diminuir os problemas da sociedade. Trabalho com mais de 120 entidades sociais na área de câncer – sou vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia e trabalho em outras entidades médicas e durante muitos anos tive um papel numa entidade em Lyon, na França, que trabalha com países de baixa e média renda da África e outros continentes. E tenho tido a oportunidade de participar de ações de controle de tabaco, no Brasil, na América Latina e no mundo e eu sei que a prevenção é uma das melhores coisas que a gente pode fazer.

 

Nippon Já: Falando em prevenção, a senhora foi muito questionada em relação ao tratamento precoce contra a Covid-19…

Nise Yamaguchi: Tratamentos preventivos que, no meu entender, vem sendo estudados e podem ser úteis, salvando vidas e evitando sequelas. O reposicionamento de um medicamento que deu o Prêmio Nobel de Medicina e fisiologia para um japonês, o Professor Dr. Satoshi Omura em 2015 vem sendo muito debatido. Este cientista humanista, doou, inclusive, os royalties da patente para que o mundo pudesse ter um remédio barato para algumas indicações na época , e está no centro de debates acirrados sobre a sua eficiência em proteger e tratar as pessoas de novos virus. Outras medicações usadas há muitos anos têm sido debatidas também e, no Brasil, existe a autonomia do médico com a anuência do paciente para a prescrição de medicações. Estas questões são debatidas em sociedades médicas, e pelos médicos com os seus pacientes.

 

Nippon Já: Por que então a senhora acha que no Brasil teve tantas críticas?

Nise Yamaguchi: Acho que tudo foi muito politizado e, no Brasil, houve um posicionamento muito forte dos partidos de esquerda, para que não pudesse ser feito o tratamento com medicações baratas e eficazes. No mundo, grandes discussões estão em andamento com relação a esta questão. Também em cada momento, podem-se escolher os artigos científicos referentes a uma opinião ou a outra, mostrando que a diversidade de opiniões é uma constante no debate da medicina como um todo.

 

Nippon Já: E qual a sua opinião sobre a condução do governo Bolsonaro em relação ao combate da Covid-19?

Nise Yamaguchi: Acho que o enfrentamento de uma pandemia exige uma reunião de disponibilidades e de atividades que buscam um resultado comum, e é muito difícil trabalhar um contexto durante algo que é novo como tem sido esta pandemia. O governo Bolsonaro foi impedido pelo Judiciário de atuar nos Estados , ficando limitado a financiar as decisões políticas dos governadores. Houve mudanças de ministros, a dificuldade da interlocução com os Estados e tudo isto gera um conjunto que não é de uma pessoa somente , é do conjunto . Também se percebeu que é mais necessária a troca de informações com o que acontece nos hospitais, nos postos de saúde , no fluxo econômico, pois temos métodos ainda difíceis de controle do movimento econômico na área da saúde. Você não pode imaginar que um governo isolado por partidos e interesses políticos contrários consiga enfrentar uma pandemia.  É fundamental que haja uma união de esforços em torno do bem comum. O Brasil é uma Federação de Estados e cada estado queria ir para uma direção. Você imagina um organismo com várias cabeças, vários pés e várias pernas e cada um querendo ir para um lado. É um caos. Foi um verdadeiro embate de egocentrismos , de dificuldades impostas por interesses criminosos em investigação. E ainda com campanhas brutas de desmonte de pessoas de bem. Faltou que cada um tentasse dar  o seu melhor, em atitudes que pensem no todo.

 

Nippon Já: E quanto as críticas que o presidente recebeu por defender o tratamento precoce e dificultar a entrada de vacinas?

Nise Yamaguchi: São coisas diferentes. No momento, os estudos em andamento buscam ter vacinas que funcionem, que tenham testes a médio e longo prazo de segurança e de qualidade de vida e de efeitos. Por isso a importância de debate e discussão em torno do tema, porque esta também é uma área muito nova da Medicina, a forma como têm sido desenvolvidas e como podem ser implementadas. Houve audiências públicas na Câmara, no Senado, no Ministério da Saúde e este é um assunto que não se esgota, pois as informações vêm chegando no dia a dia, não só dos dados brasileiros, mas também da comunidade internacional. Já o tratamento com medicações que possam buscar melhorar a evolução das doenças tem o seu papel nesta discussão, principalmente nos casos que, apesar de todos os cuidados, acabam tendo a doença.   São muitas variantes novas e o desenvolvimento de todas as estratégias passam a ser importantes em um momento como este. Tem que ter critérios justos e iguais para as medidas das medicações precoces e das vacinas.

 

Nippon Já: Sete meses depois do depoimento da CPI da Pandemia, qual o balanço que a senhora faz daquele episódio?

Nise Yamaguchi: Acho que foi um acinte e um show de horrores. O meu objetivo com a CPI era de contribuir para que houvesse mais conhecimento científico do que eu preconizava e fui lá como voluntária.  E durante 7 horas estive diante de uma sequência de perguntas e afirmações que tive que debater. Certamente toda a minha carreira de cuidados com os pacientes e com a Saúde Pública do Brasil e do mundo foi submetida à prova. Foi uma agressão à mulher, à médica, à pessoa idosa que sou- tenho mais de 60 anos. Acusavam-me falsamente para prejudicar o povo e o Presidente da República. Fui firme, me posicionei, defendi o interesse público, e vou manter sempre os princípios éticos. O povo brasileiro entendeu a atitude não patriótica e injusta da CPI, que queria que eu falasse somente o que eles queriam ouvir.

Por mais que não se concorde com as idéias, não se pode aceitar uma injustiça feita em cadeia nacional. Os senadores que foram grosseiros e tendenciosos ficaram desmascarados e perderam a confiabilidade da população. O balanço de tudo isto para mim, é que o preparo médico e científico auxilia muito como base para momentos difíceis como estes. E também, de como é importante a participação da população no debate dos rumos das discussões públicas sobre assuntos relevantes .

 

Nippon Já: Depois de seu depoimento, a senhora ficou um bom tempo sem dar entrevistas. Por que?

Nise Yamaguchi: Porque achei que tinha passado meu recado. Mantive a posição científica contra leigos mal intencionados, apoiei cientificamente tudo aquilo que era necessário, com pareceres, com documentos, escrevendo.

 

Nippon Já: Em relação a sua participação no governo Bolsonaro, o que houve de concreto?

Nise Yamaguchi: Eu fui consultora cientifica independente . Nunca fui do governo Bolsonaro. Trabalhei como trabalhei nos últimos 20 anos em todos os governos porque ajudo a saúde. Sempre atuei de onde estivesse pelo bem da Saúde Pública brasileira , no combate à AIDS, à gripe H1N1, em ações de controle de tabaco e prevenção do câncer, bem como nos direitos dos pacientes com câncer. Construi uma Frente Parlamentar de Cancerologia com mais de 200 parlamentares e em frentes parlamentares da Saúde, bem como audiências públicas , leis e portarias, Então, ajudei todos os últimos governos. Não sou de um governo só. Sou uma pessoa que é uma cientista, uma médica, mãe de família, avó e que pensa no bem das pessoas. A ciência verdadeira  não tem partidos, ideologias e deve servir ao bem comum.

 

Nippon Já Mas a senhora apoia o Bolsonaro

Nise Yamaguchi: Apoio as ideias corretas de cada um. No caso, quando me perguntaram o que eu achava dos tratamentos, dei a minha opinião. Por exemplo, quando o Brasil estava 100% fechado mas 95% das cidades não tinham um caso de covid dei minha opinião. Porque estavam fechadas? Sugeri que abrissem 95% das cidades. Na época elas foram abertas. E aquilo ajudou a economia local e do país.

 

Nippon Já: Em relação a assumir o Ministério da Saúde, houve algum convite?

Nise Yamaguchi: Não, o convite formal nunca aconteceu

 

Nippon Já: Se houvesse, a senhora aceitaria?

Nise Yamaguchi: Depende do momento. No momento inicial, que cheguei na presidência, eu disse: olha, eu estou colocando a minha carreira, a minha trajetória à disposição mas eu não quero ser ministra. E não podia mesmo, porque tenho uma atividade cientifica, com mais de 15 mil pacientes, tenho uma clínica, trabalho em hospitais, então eu não podia mesmo.

Contribui desinteressadamente.

 

Nippon Já: O que a senhora teria feito de diferente?

Nise Yamaguchi: Teria instituído o tratamento inicial no Brasil inteiro, teria buscado deixar menos gente com sequela, teria lutado para que as pessoas tivessem mais segurança, esclareceria melhor os efeitos colaterais das vacinas, trabalharia melhor com relação às outras doenças – outras doenças que estão subnotificadas. Nós estamos tendo mais infartos, mais câncer avançado, cirurgias que não estão sendo feitas – e isso na área da saúde é grave. E instituiria projetos de governança, de transparência dos dados porque assim o dinheiro seria melhor utilizado. Na verdade ocorreu um desvio brutal de fundos para bolsos inescrupulosos, e mortes e sequelas que , ao meu ver, muitas poderiam ter sido diminuídas.

 

Nippon Já: Na época, a senhora recebeu muito apoio da comunidade nikkei através das redes sociais. Como viu isso?

Nise Yamaguchi: Me sinto muito feliz por estar dentro da comunidade japonesa, uma comunidade da qual me orgulho bastante já que os meus pais são frutos dessa acolhida que o Brasil deu a todos os japoneses. Aqui nós tivemos a oportunidade de termos cultura, de termos comida, de termos terra, de entrarmos numa miscigenação com a comunidade brasileira e somos muito respeitados pelos valores. Valores tradicionais que são os valores de ética, de honra, de honestidade, de fidelidade a princípios e que são muito bem-vindos e reconhecidos pela sociedade brasileira. Poder representar, nesse momento, as conquistas de toda uma comunidade que foi recebida aqui no Brasil, é muito importante para mim também. Antes de ser pré-candidata ao Senado Federal por São Paulo, que é o Estado com maior número de eleitores do Brasil, eu trabalho aqui há 40 anos. .

 

Nippon Já: E o que gostaria de mudar?

Nise Yamaguchi: Questões que já tenho me debruçado bastante em qualquer área, independente de eu estar sendo pré-candidata ao Senado, sempre trabalho na área de inovação com jovens. Acho que se há um potencial que precisa ser estimulado, que são as nossas crianças e os nossos jovens. Em termos de crianças trabalho sempre em apoio às entidades não só de apoio ao combate ao câncer como no tratamento geral de pacientes, no Hospital das Clínicas. Estou fazendo um projeto com o Hospital Infantil de Brasília e outro com a Universidade do Vale do São Francisco com crianças com Zika. Estou interessada em trazer para o Brasil uma máquina que protege o cérebro normal das crianças na radiação de protons. Acho que tratamentos precoces na área do câncer são fundamentais para que você não fique doente. Na covid, tenho trabalhado sobre as síndromes pós-covid. Nós estamos vendo um grande número de pessoas com sequelas. Com relação à agricultura, trabalho muito pela agricultura sustentável, pelo bem do meio ambiente. Sou uma pessoa muito preocupada com o meio ambiente. Há muitos anos tenho uma preocupação com as nascentes e com os mananciais, com a água pura, com a energia sustentável. Estimulo muito todas as fontes de energia. Outra coisa importante refere-se ao desenvolvimento e agora com a interiorização das pessoas de volta para polos de desenvolvimento. A ideia é criar fábricas de microchips, fábricas de altíssima tecnologia. Nós temos que ter um pais com capacidade de produção dos nossos componentes eletrônicos também.  Nós vimos nesse momento da pandemia que não dá para ficar na dependência externa. Nós temos que interiorizar, trazer o capital internacional – do Japão, dos Estados Unidos, da Alemanha, da Bélgica, enfim, todas – para investirem no nosso país e criar meios para que as pessoas possam investir em tecnologia de ponta. Você não constrói um país forte sem aumentar a tecnologia de ponta.

Nippon Já: Houve sondagem de algum partido?

Nise Yamaguchi: Estou sendo procurada por vários partidos. Por enquanto estou conversando com lideranças. Primeiro quero entender os objetivos de cada partido e também estar alinhada com uma presidência conservadora, que acredito fundamental. Não sabemos ainda os desenhos de todos os partidos e por enquanto estou apenas avaliando. Todos os pré-candidatos têm o direito de postar o que quiserem. Não tenho a necessidade de entrar em embate com nenhum político.

 

Nippon Já: Então não existe um “plano B”?

Nise Yamaguchi: Não, até porque minha irmã, Greice Naomi Yamaguchi irá se pré-candidatar à deputada. Mas acho que o momento é de união e de parcerias.  O Senado precisa melhorar a nossa imagem internacional, que vem sendo muito deturpada nos últimos anos. O Brasil é um país cheio de desafios e potenciais.

 

Nippon Já: E com esses recentes epísódios, essa imagem piorou?

Nise Yamaguchi: Eu acho que não é uma questão quantitativa. Algumas coisas pioraram, outras melhoraram. E mutas coisas ficaram visíveis. Por exemplo, para mim, apesar de eu ter circulado pelo Senado – fiz uma Frente Parlamentar de Cancerologia há 25 anos – eu não tinha claro como ele estava contaminado e da necessidade de uma revisão mais profunda. Então, isto melhorou.

 

Nippon Já: O que representa ser a primeira mulher nikkei a tentar uma vaga no Senado?

Nise Yamaguchi: É uma pré candidatura e é um privilégio, uma honra e um desafio. Precisa de muita coragem, mas eu tenho aqui bons parceiros, pessoas de bem, valorosas

 

Nippon Já: Esse apoio aumenta a responsabilidade?

Nise Yamaguchi: Com certeza. Acho que existem muitas capacidades na sociedade e o encontro com as pessoas faz com que se fortaleçam os objetivos e os ideais. Sabemos o quanto a situação atual é difícil e de quanta energia precisa ser dispendida para se conseguir superar as adversidades.

 

Nippon Já: A senhora já esteve no Japão?

Nise Yamaguchi: Várias vezes. Dei aulas em Quioto. Estive no Instituo do Câncer de Tóquio. Já estive com minha família, porque a minha família ainda está  lá. Tenho tias de 95, 98 anos, tenho um irmão  que mora lá desde os 7 anos de idade. Alguns de meus sobrinhos e meus primos,  são dekasseguis e foram muito bem recebidos no Japão . Fora isso tenho algumas parcerias que estamos desenvolvendo e que quero ver se a gente consegue trazer aparelhos de ponta, novas tecnologias, células-troncos para regeneração de tecidos. Também tem algumas universidades com as quais tenho contato. Acredito na capacidade científica. No ano passado presidi um Congresso Brasileiro de Cancerologia cuja abertura foi feita pelo médico japonês Tatsuku Honjo, prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia pelo seu trabalho em Imunoterapia do Câncer.

 

Nippon Já: Esse “lado japonesa”, influenciou sua formação como médica?

Nise Yamaguchi: Trabalho de 18 a 20 horas por dia, acho que a disciplina e o esforço herdei dos meus pais a quem admiro muito. Outra influência é a matemática, sendo que o raciocínio matemático é muito estimulado no Japão. Ganhei um concurso de matemática em Maringá e isso me deu uma capacidade de entender a linguagem científica muito boa.

 

Nippon Já: E a senhora fala japonês?

Nise Yamaguchi: Não, foi a minha primeira língua materna mas não desenvolvi porque fui muito pro lado ocidental. Mas agora eu vou retomar minhas aulas.

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